domingo, 2 de março de 2008

Carta para a dona Opção

Buenos Aires, 02 de março de 2008

Prezada dona Opção,

Tenho pensando muito na senhora. Para ser franco, há muito tempo. Sempre me atraiu a idéia de que se faço uma escolha, deixo de lado um número imenso de possibilidades.


Cada escolha que faço, cada decisão que tomo, gera um número infinito de possibilidades que serão apenas isso mesmo, possibilidades. Como se existissem infinitos universos paralelos coexistindo, não só na minha vida, mas na Vida, no Mundo, na Existência de todos nós e em nossas inter-relações.


E pensar nisso é um exercício de “Ses”. Se eu não tivesse vindo para Buenos Aires... Se eu não tivesse me casado... Se eu não tivesse me separado... Se não tivesse conhecido outra pessoa... Se não tivesse comprado aquela caixa de camisinha que tinha Aquela que furou... O problema é que esse exercício não tem fim. E se os avós paternos dela não tivessem saído da Grécia... Se meu bisavô materno não tivesse ido de Portugal para o Pará... Se meus pais não tivessem se conhecido...


Sempre há muitas opções, muitas possibilidades, e na escolha de uma delas, que nem sempre é consciente, esses universos paralelos vão se formando. E eu também sinto isso na hora de escrever um poema. Quando escolho uma palavra para um verso, deixo de escolher outra. Quando escrevo um verso deixo de escrever outro. Se escolho uma palavra ou um verso, o poema diz uma coisa; se escolho essa palavra ou esse verso o poema deixa de dizer essa outra coisa que poderia dizer, mas que não diz, e que passa a existir apenas no mundo da possibilidade, no universo paralelo dos poemas.


Às vezes tenho a sensação de que a vida é um desses livros onde o leitor decide o final (claro que dentro de algumas opções... afinal não acredito que tenhamos plena liberdade de escolha, mas isso é assunto para outra carta).


A questão é que pelo menos, nós, leitores, estamos vivos e podemos ler os livros de nossas vidas. Mas e aqueles cujas possibilidades de escolha, de existência, de vida, foram subtraídas e anuladas?


Discute-se agora no Brasil o uso ou não de células-tronco embrionárias para pesquisas. Eu sei que para portadores de diferentes doenças esse tipo de pesquisa poderia chegar a uma cura, e que para eles essas pesquisas são uma ponta de esperança. E entendo o desejo que eles têm de que essas pesquisas sejam feitas. Compreendo o sofrimento que tem, e reconheço que nada do que tenho ou tive chegou perto do sofrimento por que essas pessoas e seus familiares passam.


Mas não consigo entender a frieza que essas pessoas têm, e que é a mesma dos cientistas, ao dizerem que o uso de embriões não é um problema, já que no embrião ainda não há vida. Como não há vida? Por acaso algo sem vida pode crescer sozinho, num ambiente propício, lógico, e se transformar no que cada um de nós é? Algo sem vida, pode se tornar vivo como num passe de mágica? E em nome da ciência e da Humanidade, dizem que a lei só permite pesquisas com embriões congelados há mais de 3 anos ou inviáveis e com o consentimento dos pais (alguém pode ser pai de um embrião morto?)... como se isso fosse amenizar o Não-Vir-a-Ser desses embriões. Esses seres vivos, tratados como material de reposição, algo como uma loja de auto-peças para seres humanos, não tem direito de escolha. Não sabem, nem vão saber o que é a opção. Não terão direito a decidir o seu próprio final nesse livro que cada um de nós lê.


Para quê? Afinal, há gente demais, e pesquisar em embriões é Humano, e qualquer semelhança com práticas nazistas é invenção de quem é contra a modernidade. Ah, mas eu ia esquecendo, para os cientistas o embrião não tem vida... Claro, cada época com sua propaganda para nos vender aquilo em que queremos acreditar. No século 17, para justificar a escravidão, a Igreja Católica dizia que o negro não tinha alma. No século 21, para justificar o seu assassinato, a “Igreja” Ciência diz que o embrião não tem vida. E nós, como bons interesseiros, acreditamos no que mais nos convém.


Sabe, dona Opção, amo a vida. Eu não poderia viver sabendo que para estar vivo tive de eliminar a vida e o futuro de uma pessoa. Optei por amar a vida, sim, mas não a qualquer preço.


Bem, vou ficando por aqui. Qualquer dia passo para a gente tomar aquele chimarrão com “bizcochitos de grasa”.


Um abraço,

I.R.