terça-feira, 30 de abril de 2024

uma tarde de outono no cabo

o sol do verão de outono
torra minha pele e minhas ideias,
me trazendo miragens,
caras conhecidas de outra vida,
que não sabem quem sou.
o sol tórrido me tira o ânimo,
a ‘ânima’ e a fome,
desanima meus passos,
enquanto desconheço esta cidade,
seus apostadores da mega-sena,
suas construções.
passo pela porta aberta do mestre,
que não está, nem seu olhar,
nem seu humor ou suas histórias.
o sol me faz suar, como pele que chora.
nem sempre há sombra possível,
e isso não é incrível, é apenas vida...
presente também em tanta ausência.

I.R.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

saltar

não há fórmula pronta nem receita
mágica que transforme tudo em ouro,
sou, pela liberdade - esse tesouro - 
alguém que, bem ou mal, então se ajeita.

ser livre não se impõe e nem se aceita, 
se conquista em processo duradouro, 
se não, sou animal no matadouro, 
caça de caçador que está à espreita. 

eu não quero caçar nem ser caçado, 
não quero ser escravo, escravizado, 
quero ser livre fora do meu texto. 

e pela liberdade dou meu grito, 
cada um tem em si seu próprio egito, 
sou contra qualquer tipo de cabresto. 

I.R.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

urdidura

a emoção é uma fibra
que precisa ser estimulada,
expelida, expirada,
sopro vital que nos mantém em pé.
páginas em branco não existem,
são folhas trancadas com cadeados
que escondem segredos carregados de emoções,
que são fibras que precisam ser cutucadas
com a vara curta e com a cara de pau
que o medo à exposição adora trancafiar,
sem confiar no fio de ariadne
nem nas migalhas de pão de maria e joão
que nos levarão a algum lugar,
algum final de enredo, alguma casa,
alguma toca, alguma doca...

(nem sempre em segurança)

I.R.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

espelho

eu me olho no espelho
e constato que minha barba
já está quase toda branca.
mas não é a barba de igor,
este que escreve o poema,
nem a barba do eu lírico,
que sendo personagem,
depende de mim para existir.
eu me olho no espelho
e vejo a barba branca do leitor,
esse eu com o poema nas mãos,
que sei que a barba branca não é a barba branca,
que sou mulher, que sou adolescente,
que compro lâminas de barbear todo mês,
que tenho barba preta, ruiva, até mesmo branca,
mas a minha barba branca do espelho,
que leio no poema,
é algo que só pertence a mim,
enquanto leio,
enquanto devaneio.
não me chamo igor,
não sou eu lírico,
sou eu empírico,
me olhando no espelho da leitura,
sem julgamentos de beleza ou feiura,
olhando minha barba branca que aparo
e que acaricio,
depois de escovar os dentes,
antes de tomar café

I.R.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

dubito

a dúvida é uma janela pro multiverso
que não se ocupa do que faço,
mas das várias possibilidades
do que não fiz,
das alegrias e das culpas do que vou fazer.
a dúvida não tem dívida com o presente.
contas saldadas,
sem tristeza ou ansiedade,
sem “e se...” e sem saudade.
sem “e se...”, só “e, sim”.
a dúvida é o que carcome,
o que impulsiona,
a dúvida consome e emociona,
a dúvida é uma porta para o mistério,
um prato cheio ou um caso sério...
a matrioshka das nossas decisões.

duvido, logo sou.

I.R.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

repouso

antes de alçar voo, 
o poema descansa
como a tela, como a melodia,
como deus no sétimo dia
descansa o poema,
enquanto se destrança,
se destranca, se destrincha,
se decanta... 
em uma hora,
em um mês,
em um verso de cada vez, 
em uma fração de segundo... 
o poema em busca de sentido, 
o poeta em lutas de sentir 

I.R. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

(por)tanto

o que guardo comigo, e então não conto,
não digo por querer saber o quanto
sou em mim meio diabo e um pouco santo,
e então não aumentar nem mesmo um ponto

se não falo, não é por ser um tonto, 
mas por ser responsável do que planto, 
do que colho em meu riso ou no meu pranto, 
eu sempre em formação e nunca pronto 

palavras são levadas pelo vento, 
mas agora o que eu quero e o que eu tento, 
é só me libertar do labirinto, 

e então contar, tão solto em meu conjunto, 
livre para qualquer que seja o assunto, 
e assim poder falar tudo o que sinto 

I.R.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

diversos

mi cabeza es un rompecabeza
hecho de astillas,
de pensamientos esparcidos
y frágiles como vitrales coloridos.
mis ideas son un cross
a la cruz de mis verdades, 
de mis certezas de manual. 
mi cabeza es un astillero, 
(o un desarmadero,) 
y mi vida es como el tatuaje, 
que no lo hice, 
por falta de coraje, 
y lo convertí en poema... 

soy un poema hecho de virutas, 
con versos de aserrín

I.R.

terça-feira, 2 de abril de 2024

química

a alquimia de amalgamar
o impensável, o improvável,
o impossível,
não me faz menos ou mais sensível,
mas consciente do amor que dei
(que dou)
e das insensibilidades que distribuí.
nessa caminhada, andei de salto alto,
de chinelo com meia,
chutei a porta de saída de coturno,
fui feliz e fui soturno,
sortudo e infeliz...
mas na arte da desnudez,
nesse desnudamento de quem sou,
ao entrar na vida do outro,
quero entrar descalço,
e encarar qualquer percalço
como quem vê o nascer do sol
na areia da praia de manhã.

I.R.